A mãe do ouro

(Altos – Piauí)

mãe do ouro (1)

Desde os tempos em que o Piauí, assim como o Brasil, era colônia de Portugal, contam a história de uma bola de fogo que anda cruzando os céus ao longo de noites escuras em regiões de serras e morros cercados de matas, principalmente quando essas elevações se encontram próximas de rios, riachos, lagos e outros corpos d’água.

Ao que dizem seriam aparições da Mãe do Ouro, uma entidade que, no solo, assume a forma de uma bela mulher com longos cabelos amarelos que refletem uma luz quase tão intensa quanto a do sol, e anda trajada em um vestido longo e bem brilhoso.

Os relatos passados geração após geração dão conta de que quando ela é vista nos céus noturnos, sempre aparentando uma bola de fogo, talvez pelo brilho intenso que irradia nessas ocasiões, é porque o local que sobrevoa é rico em minério de ouro, mas, apesar de terem conhecimento disso, ninguém se atreve a buscar referido tesouro, pois a encantada protege as riquezas, tanto que os poucos aventureiros que foram atrás do minério reluzente, descobriram a duras penas as consequências de encarar a Mãe do Ouro, de modo que quando não desaparecem na mata para nunca mais serem vistos, acabam se perdendo por horas e até dias, e quase sempre ficam loucos, perdendo totalmente o juízo, depois de dias entre moitas, árvores e arbustos,  perseguidas por animais selvagens, sem encontrar saída.

Os mais antigos da cidade de Altos dão notícia de que por muitos anos era possível ver a bola de fogo sobrevoando uma serra que fica ao lado da Fazenda Formosa, na época pertencente ao Sr. José Cleto, hoje zelada por seu filho João Cleto. “Era uma bola muito grande, que saía de cima da serra e subia e descia lentamente” conta Ivanilda França Frazão, que cresceu na região do Bairro São Luiz, mais precisamente na Rua Epitácio Pessoa, de onde sempre via a estranha bola de fogo sobrevoando a Serra da Formosa.

Na época, lá durante fins dos anos sessenta e toda a década de setenta do século passado, Altos era bem menos urbanizado e o Bairro São Luiz ainda não possuía iluminação elétrica. e haviam bem poucas habitações. “Nas noites mais escuras era possível vê-la nitidamente, apesar da distância, mas aparecia sempre”, afirma Ivanilda, que completa dizendo que ela e os irmãos viram a aparição centenas de vezes.

“Não dava pra confundir com a lua, que aparecia sempre em outra parte do céu. Como nós éramos crianças a gente sentia medo. Mas nossos pais nos diziam que era algum encanto, achavam que tinha uma mina de ouro, ou que alguns antepassados haviam deixado tesouros enterrados”, conclui.

Corre ainda a história de um pescador que pescava sempre pras bandas do Rio Surubim, perto da Formosa, e amava, desde muito jovem, uma moça, casada há pouco tempo com um homem que tinha algum dinheiro, mas humilhava por demais a pobre esposa, por vezes já a tendo agredido. Um dia, o homem teria apartado uma briga do casal e afugentado o esposo valentão totalmente embriagado, acompanhando a jovem mulher até a casa de seus pais.

Os pais, contudo, aceitaram a moça apenas por aquela noite, dizendo que no dia seguinte teria que se entender com o esposo, pois não queriam filha separada, pois cairia na boca do povo. A filha implorava, dizia não mais querer o marido, que lhe agredia com frequência, mas os pais diziam que preferiam uma filha com o olho roxo que difamada na sociedade. O pescador, muito revoltado com o que viu, se ausentou dali, sem nada poder fazer. Até chegou a pensar em oferecer sua casa à garota, eis que sempre gostou dela, mas logo pensou que ela com certeza não iria querer um pobretão, que em certos dias mal tinha o que comer pra si, quanto mais pra uma mulher. Como não tinha condições de dar à jovem a vida que achava que ela merecia, nem sequer falou nada, apenas saiu calado, tomado em revolta e compadecimento.

Um dia vinha ele voltando do Surubim com uma sacola em que havia posto alguns peixes que pescara, quando viu a bola de fogo sobrevoar os céus e pousar dentro do mato, ao pé da serra, ali bem pertinho. Curioso, como não tinha medo de nada, resolveu conferir o que era aquilo, quando deu de cara com a mulher encantada, a Mãe do Fogo de quem já tinha ouvido falar por seus ancestrais, próxima de um monte de ouro, tanto que nem sequer jamais imaginou que existisse.

Assustado, ia se retirando dali, quando foi chamado pela entidade, que com uma voz sobrenatural dizia que não iria lhe fazer  mal. Sentindo um arrepio nos pelos do corpo, encontrou coragem Deus sabe onde e foi até ela.

Lá chegando a Mãe do Ouro lhe disse que sabia ser ele uma pessoa de bom coração, bem como revelou ter conhecimento de seu amor secreto, que guardava só pra si. Por fim, elogiou a atitude do pescador em proteger a mulher do marido agressor. Em seguida, lhe disse que poderia levar todo o ouro que conseguisse carregar, com o qual deveria comprar uma casa e investir em um negócio que lhe desse fonte de renda permanente, bem como que guardasse algum para qualquer imprevisto que porventura a vida pudesse lhe oferecer.

O homem ouviu ainda da mulher encantada que ela fazia aquilo por ele ter socorrido a moça e que iria lhe ajudar a conquistá-la, bem como daria um jeito de fazer sumir da vida dela o valentão que ela tinha como marido, mas que faria tudo aquilo por ele, desde que ele desse a sua palavra de que nunca faria mal à moça, que ele poderia procurar por ela, sem medo de rejeição, pois o esposo não seria obstáculo, bem como sabia que a mulher por ele passou a nutrir sentimento desde a ajuda que lhe deu, e ele, pescador, nunca mais teria que se preocupar em não ter condições de sustentar uma companheira, pois ela, a Mãe do Ouro, lhe faria usufruir sempre de estabilidade financeira.

O homem sem acreditar naquilo tudo, se beliscava como que querendo acordar, mas vendo que não era sonho, pegou todo o ouro que pôde carregar e foi até sua casa, que não era longe dali. Como a rua estava deserta, por ser tarde da noite, e não haviam casas próximas da sua, chegou em casa tranquilo, sem ninguém ver que ele carregava consigo toda aquelar riqueza. Entrando em seu humilde barraco, deitou-se em uma rede e pôs-se a dormir.

No dia seguinte, acordou com a notícia de que a jovem que amava havia ficado viúva. O marido havia sido dilacerado e cheio de queimaduras, em circunstâncias que para todos era misteriosa, embora ele tivesse consigo a percepção de que quem tinha feito aquilo era a Mãe do Ouro.

O pescador, então, seguiu todas as recomendações da encantada, e, em pouco tempo, já coabitava com a amada em uma casa que sequer lembrava seu humilde barraco, tendo ele se tornado esposo dela, e senhor de muitas posses.

Por muito tempo, a enorme bola de fogo era vista ainda pairando sobre a serra da Formosa. Com o passar dos anos, a cidade foi crescendo, ganhando luzes artificiais, que ofuscam a visão dos altoenses, de modo que, da zona urbana, não mais  se pôde vê-la. Todavia, há quem diga, em especial os habitantes de regiões rurais próximas, que até hoje ela cruza os céus das proximidades da Formosa.

 

 

FONTE:

FRAZÃO, Ivanilda França. Entrevista a José Gil Barbosa Terceiro. Janeiro de 2020.

https://www.curiosidadesdeubatuba.com.br/a-mae-do-ouro/

https://www.todamateria.com.br/mae-de-ouro/

 

TEXTO: JOSÉ GIL BARBOSA TERCEIRO

ILUSTRAÇÃO: DOUGLAS “BIDO” VIANA

 

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