A ORIGEM DA LAGOA DE PARNAGUÁ

(Parnaguá – Piauí)

19622444_310279852729724_406803212_nHá muitas luas atrás, os índios Acaroas do Piauí acreditavam que quando acontecia o eclipse, solar ou lunar, era porque tinha uma onça querendo devorar os astros. Nesses casos, faziam sempre  rituais barulhentos para espantar o bicho antes que ela realizasse seu intento. Assim, sempre espantavam a onça celeste e ela nunca nunca conseguia devorar nem o sol e nem a lua. Eles acreditavam que se não espantassem o felino, a Terra mergulharia na mais completa escuridão e seria o fim do mundo.

Miridan era uma bela índia membro da tribo dos Acaroas. Na noite em que ela nasceu, havia no céu um eclipse lunar. Enquanto uns poucos auxiliavam no parto, outros estavam ocupados tentando espantar a onça. Os esforços para que a fera deixasse a lua em paz, no entanto, eram em vão. O monstro continuava a devorar o astro. Quando Miridan chegou ao mundo, seu choro teria espantado o monstro, e a lua começou, então, a se recuperar. Aquilo foi tido como um sinal dos deuses e a menina foi prometida a estes.

Havendo sido prometida aos deuses, ela nunca poderia se casar com qualquer homem da tribo. O pajé dizia que, se, porventura, engravidasse, seu filho deveria morrer, ou, do contrário, os deuses ficariam furiosos. A certa altura de sua vida, já uma jovem, Miridan se apaixona por um homem branco de lindos cabelos avermelhados que acampara na região. Vem com ele a ter uma noite de amor. No entanto, após a consumação do ato, o casal é flagrado por guerreiros da tribo, que, buscando defender a honra dos deuses, matam o jovem ruivo.

A jovem índia cai de tristeza pela perda do amado. Chora por dias sem fim, sem que ninguém perceba. Passados alguns ciclos, descobre que carrega em seu ventre o fruto do amor proibido. Durante toda a gestação, consegue ocultar a gravidez. Todavia, quando chega o momento de dar à luz, afasta-se da tribo e parte rumo ao Rio Paraim, onde nasce um menino. Temendo que a criança fosse morta pela tribo, o que certamente ocorreria, coloca, então, o membira (filho em tupi) em um tacho de cobre e o abandona nas águas do rio, entregando-o à própria sorte.

19622262_310279776063065_777574395_n O tacho afunda mas a criança é salva do afogamento por Iara, a mãe d’água, que ficou furiosa e amaldiçoou Miridan e sua tribo por tamanha maldade: o céu ficou escuro e iniciou-se uma tempestade sem fim. Em meio à tempestade, um raio cai dos céus e abre uma fenda no chão, de onde começa a jorrar água. Era água vindo dos céus, água saindo do chão, o que deu início a uma grande enchente. As águas alagavam, encharcavam e aumentavam sem cessar. “Tomou toda a várzea, passando por cima das carnaubeiras e buritis, dando onda como maré de enchente na lua”, nos conta Câmara Cascudo.

Essa inundação, após as águas acalmarem-se, fez surgir a lagoa de Paranaguá, no sul do Piauí. Miridan, arrependida jogou-se na lagoa, para ficar junto do filho. Ao contrário de seu filho, afogou-se, indo morar junto dos deuses, a quem havia sido prometida. Passou a fazer parte do panteão indígena, sendo considerada a protetora da lagoa. O menino, contudo, era protegido da Iara, e vivia seguro, agora no fundo da lagoa, onde tinha ido parar com a sereia após a inundação.

A maldição sobre a tribo, contudo, não acabou por aí. Todas as noites, ouvia-se, vindo da lagoa, uma criança chorar, como que faminta e ansiosa pelo leite materno. Uns se viram com medo, outros tinham pena da criança a chorar. Após algum tempo, a situação ficou insuportável, vindo os índios a abandonar o local. Como o lugar era bem situado geograficamente, homens brancos logo iniciaram uma povoação no lugar que era habitado pela tribo, dando origem a uma Vila que, com o tempo, se transformaria no atual município de Parnaguá.

As pessoas, contudo, evitavam fixar moradia próximo à lagoa, onde sempre se ouvia o choro da criança. Acreditavam que o lugar era assombrado, de forma que poucos se atreviam a encostar ali. Após alguns anos, contudo, o choro cessou. As pessoas não mais temiam a região da lagoa. Banhavam, bebiam e lavavam roupas em suas águas.

19691339_310279826063060_1343742796_nCerto dia, um grupo de mulheres que tinha o costume de lavar roupa ali viram surgir das águas um menino de cabelos vermelhos alegre e sorridente que brincava nas águas. Percebendo que se tratava de uma criatura encantada amedrontaram-se e fugiram dali, deixando para trás toda a roupa.

À tarde, as mulheres foram pegar as roupas que tinham largado ali e lhes apareceu um moço de pêlos vermelhos com uma grande barba ruiva que corria em sua direção querendo abraçá-las. Apavoradas, correram dali mais uma vez.

À noite resolveram tentar mais uma vez. Afinal aquela era toda a roupa de suas famílias. Como eram pobres, não podiam se dar ao luxo de perder as vestes. Rezavam para que nada mais lhes aparecesse, quando do nada surge um velho, com uma enorme barba branca, saindo das águas.

As mulheres conseguiram pegar a roupa mas não tiveram mais coragem de voltar ali. Sabiam que aquele era a criança que chorava nas águas, que de manhã apareceu-lhes como menino, de tarde como homem feito e à noite como um velho. Apesar da mudança de idade, era possível ver em seu rosto os mesmos traços. Sabiam que era a mesma pessoa, que com certeza era um encantado. Desde então muitos já o viram. Com os homens ele nunca quer conversa, mas quando vê uma moça corre logo para abraçá-la e beijá-la. Algumas são pegas, mas incompreendido, elas o julgam um tarado. Depois de conseguir beijar as moças ele pula de volta na lagoa, desaparecendo nas águas. Por não saberem o que esperar dele, as mulheres sempre empreendem fuga daquela aparição.

O Barba Ruiva, como ficou conhecido, é tido como filho de Iara, a Mãe D’Água, mas na verdade é a criança mestiça filha de Miridan, que herdou os pêlos ruivos do pai. Encantado, tornou-se um defensor das águas da lagoa, mas não fere e não maltrata ninguém. Talvez busque nas mulheres, o que não teve a chance de receber de sua mãe biológica: o amor. Alguns afirmam que para torná-lo uma pessoa normal, uma mulher corajosa deve se apaixonar por ele e atirar sobre sua cabeça algumas gotas de água benta e algumas contas de um rosário, para convertê-lo ao cristianismo, pois o encanto só dura enquanto for pagão. Como toda mulher foge dele, o Barba Ruiva permanece encantado, vivendo na Lagoa de Parnaguá, a qual foi designado por Iara para proteger, onde mora sozinho, sempre em busca de carinho.

REFERÊNCIAS

 

TEXTO: José Gil Barbosa Terceiro

ILUSTRAÇÃO: Douglas Viana

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