O HOMEM DA CAPA PRETA

(Altos – Piauí)

homem da capa preta
Ilustração: Douglas Viana

Lá pelos idos de 1992, havia pouco tempo que havia sido inaugurada uma casa de shows em Altos de nome Altos Brilhos Danceteria. Vera e Ivone acabavam de sair de uma festa. Era madrugada já. Tinham se divertido muito, mas agora, cansadas, tudo o que queriam era estar em casa. Moravam no Bairro Batalhão, de onde já se aproximavam. Naquele tempo não havia tanto perigo nas ruas, mas a escuridão da noite sempre esconde alguma coisa, não se sabe se boa ou má. Enquanto caminham travam um diálogo:

– mermã, tá vendo como essa rua tá escura? – pergunta Ivone.

– Pois é… – responde Vera.

– Tu sabia que quando nossos pais eram pequenos as pessoas diziam que pra essas bandas gostava de aparecer um lobisomem e uma mulher porca?

– Rum! tá doida é? Um breu desse e tu ainda fica falando nessas coisas?

– É sério! Tinha ainda uma tal mulher de branco, mas fica tranquila que essa só atacava homens.

– Credo em cruz! Porque tu não fala dos gatinhos da festa?

– Ah, aqueles abestado? Nem dançar não sabem… aquele carniça de blusão azul até que era bonitinho, mas ficava só pisando no meu pé… A gente ia dançar Mastruz a desgraça pisava no meu pé… Começava o reggae, pisava no meu pé… tou com o pé aqui todo duído!

De repente, ouve-se um som ao longe…

– Que é isso Minha Nossa Senhora? Valei-me…

– Mulher, vamos logo! a nossa casa tá perto já… apressa o passo! É só dobrar nessa rua e no outro quarteir…
MEAUURR… Um gato sai por trás do muro correndo dobrando a esquina passando por baixo das meninas…

– Que foi isso?

– Calma mulher é só um gato! – responde Vera apontando pro bichano. Quando retorna a vista para Ivone, vê a moça pasma, congelada de terror.

-Que foi mulher? – pergunta Vera.

– O… O… – Ivone não consegue responder. Só aponta para trás de Vera, que, ao virar-se, vê um homem de chapéu e capa preta caminhando com o passo apressado em sua direção. O rosto não dá pra identificar, pois está muito escuro, mas percebem que segura nas mãos de forma ameaçadora uma seringa.

– Corre! – Vera puxa a amiga e parte em disparada correndo um outro rumo eis que não podiam seguir no caminho para casa pois iriam dar de cara com aquilo.

O homem corre atrás delas pela escuridão da noite. Dobram a esquina na intenção de dar a volta no quarteirão e chegar até em casa. Já estavam cansadas e parecia que o bicho já ia dobrar a esquina, chegando cada vez mais perto delas, quando percebem um vão entre uma casa e outra. Aquele beco escurinho parecia ser um bom esconderijo.

-Cala a boca diacho! ele vai ouvir a gente! – fala Vera segurando a boca de Ivone pra ela não fazer barulho.

De dentro do beco escuro percebem quando o homem passa apressado sem perceber que elas estavam ali. Esperam uns minutos. A noite estranhamente havia ficado silenciosa.

– Foi embora! vamos…

Quando chegam na calçada percebem que o perseguidor está voltando de seringa em punho. Estava só a uns sete metros de distância. Correm e gritam feito loucas. Enfim se aproximavam de novo da rua de casa. dobram a esquina e… PAM! Chocam-se com o pai de Ivone que já estava nas ruas indo procurar a filha que já tinha passado da hora de chegar…

– Muito bonito! posso saber porque as duas tão correndo assim?

– Corre pai!

– Corre de que? Não tem nada atrás atrás de vocês… As meninas viram-se e tudo o que enxergam é a rua vazia.

– Mas… Mas…

– Mas, mas, mas o que? Vamos já pra casa! E você Vera, amanhã vou ter uma conversa com seu pai!

– Mas tinha um homem atrás da gente!

-Ah! e ainda tavam com macho né? Espere só até o dia amanhecer…

– Mermã, cala a boca…

Ivone, o pai e Vera caminham rumo a casa. As meninas eram vizinhas. Vera entra em casa e os outros dois vão para casa.

No dia seguinte, ouviu-se falar que, mais tarde, ali perto, uma menina vinha voltando da festa quando foi atacada! O homem tinha agarrado ela e injetado sangue em seu pescoço. As pessoas comentavam que já há alguns dias um homem esperava na escuridão para atacar com uma seringa a mão.

Mas o que haveria naquela seringa? Alguns achavam que era coisa do demônio. Outros falavam que era uma assombração. Alguns até cogitavam que era um administrador da cidade que era médico e tinha taras secretas por moças daquela região. As suposições só pararam quando se espalhou nas ruas a notícia de que alguém tinha visto em algum lugar que um aidético havia fugido há poucos dias da prisão em Teresina e ninguém sabia por onde ele andava. Tinha sido preso porque andava de chapéu e capa preta perseguindo as pessoas com sangue contaminado. Disseram, inclusive, que as vítimas já estavam muito doentes no lar da esperança. Contava o povo que umma tinha até morrido já. E pelo que falavam era muito jovem.

Agora todos sabiam! A desgraça tava em Altos… vez ou outra ouviam falar em alguém que tinha sido perseguido. Alguns teriam sido atacados, mas não alertaram o povo pra não saberem que estavam doentes, pois não é fácil ter que lidar com o preconceito do povo. Vera e Ivone tinham medo até de sair do quarto. Viviam trancadas por opção.

Certa vez,  surgiu o boato de que ele teria perseguido uma moça que morava no Bairro Santo Antonio quando esta voltava de uma festa no tradicional Forró dos Velhos do Miguel Cândido, que fica na região próxima do Batalhão, mais precisamente no Bairro Bacurizeiro. Ela teria aparecido em seu bairro desesperada, dizendo que o tal homem da capa preta correu atrás dela e chegou a arranhar nela algo pontudo, que, contudo, não teria penetrado sua pele. Ainda assim, tempos  depois, a moça iniciou acompanhamento médico para evitar qualquer doença.

De uma outra vez, duas estudantes que estudavam no turno da noite, vinham voltando para suas casas no Batalhão, quando perceberam alguém à sua frente e, ao chegarem próximas dele, foi que perceberam a capa e a seringa na mão do maníaco. As moças, aterrorizadas, começaram a correr e gritar por socorro, de modo que alguns ferroviários que moravam próximo à estação e ainda estavam acordados, correram em defesa das moças com facões, paus, pedras e outros armamentos, tendo chegado à rua a tempo de ver o maníaco correndo em disparada, e as moças ofegantes de terror.

O terror era tamanho que as pessoas que vinham de Teresina, tinham sempre parentes esperando por elas aos montes (nunca sozinhos) nas paradas de ônibus. Ninguém se atrevia a andar sozinho. Uma vez uma moça esperava pelo namorado que vinha de Teresina, e, ao vê-lo se aproximar usando roupas pretas e uma lanterna na mão, a garota correu em disparada, de modo que o rapaz ficou sem entender a reação da namorada. O que dizem é que ele terminou com ela, achando que ela era maluca.

Com o tempo, as pessoas não viram mais o maníaco, e ele logo foi esquecido. Tudo parecia normal! As pessoas pareciam mais preocupadas com criminosos que passaram a tomar conta da noite.

Já nem se falava mais no homem da capa preta. Apenas algumas pessoas, entre elas Vera e Ivone, ainda carregavam na lembrança aquela figura do cão… nunca mais tiveram coragem de andar tarde da noite a pés pelas ruas… Talvez elas estejam certas. Vai que aquele doido ainda tá por aí! Afinal, ao que dizem, Altos, como o resto das cidades do Piauí, tá cheia de gente contaminada.. Será se não foram vítimas dele? Afinal até ele aparecer quase não se falava nessa doença.

Pensando bem, lembro agora que recentemente ouvi rumores de um homem usando capa preta andando pelas ruas do bairro Batalhão… Não sei se é ele, mas vai saber! É melhor evitar…

TEXTO: JOSÉ GIL BARBOSA TERCEIRO

FONTE:
– Relato oral de Paulo Rocha, Jana Gil Barbosa, CatSeine, Ivone Rodrigues, Rubens Félix e Maria Irene Nascimento, cidadãos de Altos – Piauí.

homem da capa preta 3

 

 

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