ENTREVISTA: ANTÔNIO SOARES, ESCRITOR ALTOENSE, AUTOR DE “BOTIJA”, LIVRO FICCIONAL RECHEADO DE LENDAS ASSOMBROSAS DO IMAGINÁRIO POPULAR PIAUIENSE

Antonio Francisco Soares da Silva nasceu na localidade São Bento, em Altos-PI, em 1985. Formado em Letras Português pela UFPI (Universidade Federal do Piauí) e funcionário público pela prefeitura municipal de Timon. É membro do grupo literário Prelúdio, publicou o periódico com fins literários, com quatro edições, denominado Informativo Prelúdio e organizou o I Concurso Prelúdio, no qual homenagearam o escritor piauiense Assis Brasil. É membro do Sistema O Jornal de Comunicação, no função de diagramador e às vezes cooperava com seus textos. Vencedor do segundo lugar no concurso literário da Academia de Letras do Médio Parnaíba na categoria contos com o conto O Cancão e a Raposa. Quando criança, ainda na zona rural, gostava de sentar em rodas de jovens que se reuniam para ouvir os mais velhos contarem estórias fantásticas de lendas e assombrações. Já adulto, veio a escrever “BOTIJA: em busca de um tesouro”, publicado em 2012, que narra as aventuras de Ramiro e Pança, que enfrentam desafios assombrosos  inspirados nas lendas que o autor ouviu quando criança na busca pelo tesouro, que os levará, também, em uma jornada de autoconhecimento e superação.

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José Gil – O que te levou a escrever “BOTIJA”? De onde veio a inspiração?

Antonio Soares – Uma vez, me deparei com um livro da coleção “Leitura em minha casa”, que entregavam pras crianças nas escolas, não lembro o nome, mas tinha como tema as lendas brasileiras, e entre elas estava a lenda da botija. E lembrei que já tinha ouvido falar dessa lenda mas de uma forma diferente. Na minha infância ouvia muitas histórias de dinheiro enterrado em tronco de árvores, provavelmente pra ficar mais fácil de lembrar do local, como o X dos mapas piratas, e nessas histórias sempre tinha uma chamazinha azulada que subia ou descia indicando o local do tesouro. Eu achei essas histórias da minha infância bem mais mágicas porque elas faziam parte da minha realidade e achei que elas deveriam ser contadas também. Então fui juntando memória, informações, experiências pessoais e coisas criadas na inspiração da botija pra escrever o livro.

José Gil – Hum… No livro eu vi que a aventura dos protagonistas é digna de comparação com a Odisseia de Homero. No caminho, enfrentam inúmeros desafios…. É tão difícil assim resgatar uma “botija” enterrada? Porque o “tinhoso”, como você chama no livro, dificulta tanto que se tenha êxito na tarefa?

Antonio Soares – A Odisseia é sensacional! Fico até lisonjeado com a comparação. É a primeira vez que alguém me compara com um clássico, já tinham comparado minha escrita literária com a de J. K. Rowling, autora de Harry Potter, mas nunca li alguma das obras pra confirmar, e nem sei se saberia ver com os mesmo olhos…

Falando nos desafios, sempre, nas histórias que eu ouvia sobre dinheiro enterrado, os desafios eram marcas chaves, se resumiam, é claro, ao momento da desenterrada, na qual apareciam diversas tentações para desviar a atenção do cabra que tivesse coragem de desenterrar esse dinheiro enterrado. Mas na Botija, achei que cairia muito bem colocar vários desafios durante o percurso também, afinal, eles fazem parte da jornada de todo e qualquer herói.

Quanto à dificuldade e ao “tinhoso”. As estórias de botija contadas sempre dão conta de desafios para resgatá-la. Porque, afinal, existem forças metafísicas aí envolvidas, como procurei expressar em meu livro, o que é um recurso mais meu. Estão em jogo nessa estória a salvação da alma e a eterna peleja do diabo na disputa pelas almas humanas. Conforme as lendas, uma botija resgatada é uma alma liberta de seu carma. Uma alma que enfim poderá subir em paz.

capa-do-romance-o-botija-150778José Gil – E de onde saiu a ideia desses desafios? Primeiro uma cidade inteira de fantasmas, depois uma casa assombrada pelo espírito de um homem mau e de duas crianças, sem falar na luzinha no meio do mato que eles pensaram ser um ser ígneo? De onde tirou tudo isso? É invencionice pura da sua cabeça ou haveria inspiração para isso?

Antonio Soares – Invencionice pura… Essa pergunta soou engraçada. Gosto de pensar nos meus escritos como crias e não invenções. As estórias estão aí e tudo o que precisamos fazer é alimentá-las, fazê-las ganhar corpo e viço. Não são invenções. A ideia desses desafios saiu de vários relatos de causos contados por aí a fora, e que por acaso ouvi. Milton Paiva, que você bem conhece, já havia relatado algo, resquícios de uma estória sobre uma cidade encantada que aparecia para viajantes no caminho entre Altos e Campo Maior, se não me engano. Quanto à casa mal assombrada, quando criança ouvia relatos de casas que guardava gritos, rangidos, sussurros, gemidos, sensações registradas em vidas passadas por entre suas paredes… E li uma vez, um livro que foi-me emprestado pelo professor Isaías, que por sinal, também é muito ligado nessas estórias, e nesse livro havia uma história de uma casa malassombrada, e isso tudo me fascinava. E lembro-me que ao lê-la, veio-me à mente a ideia de também escrever algo sobre isso. Vi que você falou, a respeito da casa malassombrada, de uma homem mal. Não sei se você se referia ao “Preto” ou ao pai das crianças. Minha irmã era adolescente quando leu Botija pela primeira vez e disse que parou nesse episódio porque começou a ter pesadelos com o “Preto”, e só retornou à leitura anos depois quando aquele medo inconsciente e primitivo a respeito do meu personagem sumira. O “Preto” não é, na verdade, como alguns pensam, e creio que não é o seu caso, a força maléfica presente na casa. Sobre a luz na mata, também ouvi relatos de pessoas que diziam ter vivenciado um evento parecido, embora improvável, tinham convicção de que era real o fato experimentado.

18601422_1325195457587433_1962191958_nJosé Gil – No final, o velho do burro diz que “nem tudo o que parece ser é”… Se referia ela ao “Preto” e aos outros espíritos da casa mal assombrada? Ou teria se referido às visões e tentações terríveis que os protagonistas Pança e Ramiro tiveram durante a desenterrada da botija? Ou seria uma referência aos próprios protagonistas que no começo do livro não sabiam quem eram, mas se descobrem no final? Como os personagens também fiquei com algumas dúvidas. Algumas posso supor em minha mente como poderiam ser respondidas, outras não. Será que na verdade a fala do velho e as dúvidas dos personagens se referem a uma deixa para um próximo livro?

Antonio Soares – Gostei das suas perguntas. Se você observar bem verá que ele pronuncia essa frase durante seu primeiro e durante seu último encontro com Pança e Ramiro. Gosto dessa frase porque ela carrega uma máxima que estamos acostumados a ouvir, mas aqui de um jeito divertido. Ela carrega muito da alma de Botija. As aparências, pra onde quer que olhemos, são atraentes e enganadoras e só o espírito das coisas podem nos revelar o que elas são de fato… As dúvidas que os personagens têm são as dúvidas que talvez teríamos se estivéssemos na pele deles. Na versão inicial do livro Botija, eu havia escrito um capítulo todo, talvez o maior, dedicado a explicação dos eventos ocorridos na casa mal assombrada. Era bem no final, quando os dois aventureiros reencontravam novamente o Homem do Burro, ele explicava todos os mistérios da casa mal assombrada. Mas numa releitura posterior achei por bem da obra excluir esse capítulo porque as explicações retiravam toda a magia e o mistério da casa mal assombrada.

Quanto a continuação, tenho vários outros livros iniciados que pretendo um dia terminar, e muitos no mesmo clima e ritmo de Botija, contudo nenhuma continuação dele. Acredito que você foi pelo caminho certo ao se perguntar sobre o significado da frase, porque essa era a ideia, que o leitor continuasse assa estória em sua imaginação após a leitura. A continuação que quero para Botija é essa.

José Gil – O que o “preto” apontava para Ramiro e Pança quando foi interrompido pelo fantasma da mãe na casa assombrada que não queria que eles saíssem da casa?

Antonio Soares – Como vemos num capítulo posterior do livro, ao se deparar com algo mais terrível que o vivenciado na casa mal assombrada, Ramiro chega à conclusão que o “Preto” talvez nem fosse tão assustador quanto pareceu naquele momento, ele concluiu que talvez o Preto só quisesse ajudá-los a sair daquela casa. Estamos muito acostumados a ver pessoas que por saberem pedir nem se expressarem bem acabam sendo mal-entendidas.

18644236_1325197837587195_705767204_nJosé Gil – Algum livro utilizando lendas como pano de fundo vindo aí? Que lendas você está trabalhando?

Antonio Soares – Sim. Tem outros. Um que utilizo a lenda do lobisomem, que é universal, e o capeloba. Outro que utilizo o Saci, o Cabeça de Cuia, Boitatá, a fera Guará, etc. Além de alguns contos que reescrevo. Alguns desses inclusive estão na página Contos de Terror Altoense.

José Gil – Voltando pra Botija: Ramiro e Pança vão evoluindo ao longo do livro, encarando seus medos e demônios, não apenas os entes sobrenaturais que lhe aparecem ao longo do caminho de modo que considerei a psique dos protagonistas muito bem trabalhada… Foram eles inspirados em alguém? Talvez em você ou alguém próximo?

Antonio Soares – Agraço pela sua observação. É comum as pessoas me perguntarem: Botija é um livro biográfico? O pança é você? Ou será o Ramiro? Alguém já me disse que enquanto lia o livro só imagina a mim na pele do Ramiro. Mas direi que não, embora cada um desses personagens tenha alguma coisa minha, e talvez algo de alguém próximo, assim como temos todos os mesmo conflitos e anseios internos. Mas eles têm história e personalidade próprias.

José Gil – Ótimo. Qual a mensagem que você acha que o livro passa? Há uma lição de moral no fim das contas?

Antonio Soares – Acredito que sim, que haja. Talvez uma mensagem de amor, esperança e amizade, que dentro de nós ainda há algo de belo que deve e pode ser resgatado. Mas prefiro as mensagens que os leitores descobrem ao o lerem-no às minhas. Por exemplo, alguém já disse uma vez sobre o livro que ele passava muitos valores…

José Gil – O tio de Ramiro sempre contava causos fantásticos em sua casa a todos da região… os mais jovens se reuniam para ouvir suas histórias. Você vivenciou essas rodas de estórias que o povo fazia pra ouvir os mais velhos contarem?

Antonio Soares – Vivenciei sim. Venho de uma época e de uma cultura que ainda não estavam totalmente maculadas pela TV e sequer adivinham os sinais da era digital. A cidade de Altos ainda tinha todo um caráter de interior, e as pessoas sentiam prazer em contar causos assustadores na boquinha da noite e noite adentro. Estórias do Camonge, estórias de caçador, estórias de aparições, que mesmo sendo assombrações nem sempre eram assustadoras que elas vivenciaram… E muitas chegavam a ser brutais e cruéis, mas mesmo na minha infância, apesar de as vezes assustar, pareciam mágicas e encantadores.

18624700_1325194934254152_2082331517_nJosé Gil – De que forma a magia e o encanto dessas histórias influenciaram o jovem adulto Antonio Soares a escrever a botija e outros textos que contextualizam-se nessas histórias?

Antonio Soares – Da forma mais efetiva possível. Eu sempre desenhei, embora não muito bem, pensava em fazer histórias em quadrinhos. Mas depois que li O Senhor dos Anéis, descobri que queria ser escritor. Mas queria escrever sobre a minha terra, as impressões que dela emanavam, e queria que minhas estórias encantassem tanto quanto as que ouvia na infância, pra isso elas teriam que ter esse caráter mágico das lendas, do folclore.

José Gil – O que você acha de projetos como o “Contos de Terror Altoenses” – iniciativa do amigo Francisco Isaias (onde você já publicou alguns contos) – e Causos Assustadores do Piauí (que tem sido levado a frente por mim)? 

Antonio Soares – São importantíssimos. Eu estava inclusive conversando com o professor Milton Paiva sobre isso. Falávamos da importância literária e documental dessas duas páginas, que, às vezes, não recebem o valor devido da sociedade, mas que futuramente, e até atualmente mesmo, serão fontes riquíssimas de registro cultural de Altos e redondezas. São páginas que merecem publicações impressas. Sua página conta, inclusive, com os trabalhos do desenhista Douglas Viana, que é um jovem muito talentoso, e que ficarão muito bem em páginas de livro.

José Gil – Você acredita que no mundo real existem ainda pessoas tão íntegras e corajosas como Ramiro e Pança, que poderiam obter êxito na missão que foi confiada aos personagens?

Antonio Soares – Acredito sim. Tenho esperança nas pessoas, na humanidade. Pança e Ramiro não eram pessoas completamente resolvidas com suas vidas e tinha seu quê de problemas e defeitos como todos nós. Mas acredito que optaram pela escolha certa no momento certo. Uma escolha que visou um bem além da nossa compreensão.

José Gil – Você acredita em “botijas” na vida real?

Antonio Soares – Acredito que toda lenda tem um fundo de realidade. Não era comum bancos antigamente, e acredito que pessoas enterravam sim suas riquezas e que depois de sua morte tudo ficava perdido por somente ele saber do local onde enterrara. Agora se a alma dele ficava presa a esse tesouro, e se aparecia visagens e mais visagens pra impedir as pessoas de o desenterrarem,  isso foge da minha alçada.

Todos buscamos tesouros, em nossa vida. Cada um tem uma botija pela qual lutar e pela qual arriscar tudo. Basta descobrirmos quais tesouros são os nossos e lutar por eles.

Confesso que me conforta pensar que em algum lugar por aí existe um tesouro encantado esperando um sortudo que arrisque muito para merecê-lo.

José Gil – Já encontrou alguma ou ainda está em busca?

Antonio Soares – Já encontrei várias “botijas” e ainda estou em busca de outras, que visagens etéreas vieram me anunciar, enquanto me encontrava num estado de sonolência. Mas nem sempre é fácil despertar. As “botijas”, os tesouros que busco são os que todos nós almejamos e buscamos. Quem não valoriza uma boa amizade, um bom casamento, uma boa família, um bom e elevado estado de espírito, um certo nível cognitivo…?

Gostaria de terminar a entrevista dizendo a você que me tornei seu fã depois da leitura da “botija”… Um grande trabalho que te põe entre os melhores livros piauienses que já li! Como foi publicar um livro, foi fácil? E a experiência no SALIPI? Onde o leitor do blog pode adquirir a “botija”?

Nós que deveríamos agradecer a você pelo seu trabalho.

Essa conversa com você está sendo uma das melhores, entre os leitores de Botija. Realmente fico muito agradecido e lisonjeado com suas palavras. Apesar de prazeroso, não é fácil escrever e o reconhecimento é um dos melhores pagamentos que podemos receber.

Quando participei da entrevista no SALIPi, devido a problemas com a gráfica, ainda não tinha o livro em mãos. Apenas alguns meses depois consegui publicar o livro. Foi um evento muito prazeroso e transcendente para mim, em particular. Afinal, foi como dar ao mundo um filho, uma criança que agora era maior de idade e tinha por necessidade que ganhar o mundo. Mas não foi uma tarefa fácil. É claro que tive incentivo de muitos amigos. Mas foi uma publicação independente, sem ajuda de editora, apenas o prefeito da cidade de Altos da época que me ajudou com 50% do valor, mas o restante retirei de meu bolso. Outra dificuldade que encontrei foi o desinteresse por leitura por parte do povo de forma geral, que achava legal a ideia de alguém ter publicado um livro na cidade mas que não demonstrava interesse algum pela leitura.

Mas fora esses detalhes, é algo edificante publicar uma obra sua.

E o livro pode ser adquirido através do número: 86994175369. Pelo facebook: https://www.facebook.com/toi.soaress. Ou pelo email antoniosoares501@gmail.com

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3 comentários em “ENTREVISTA: ANTÔNIO SOARES, ESCRITOR ALTOENSE, AUTOR DE “BOTIJA”, LIVRO FICCIONAL RECHEADO DE LENDAS ASSOMBROSAS DO IMAGINÁRIO POPULAR PIAUIENSE

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  1. Ficou bem legal a entrevista, dá para perceber que o livro te instigou demais, e isso só me deixou mais curioso para ler. Vi que a história acabou indo para a Amazon =D Já estava triste por imaginar que ele possivelmente estaria esgotado, mas como ebook agora é difícil de acabar.

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  2. O Antônio Soares é um guerreiro que não se furta aos desafios de produzir e contribuir para a literatura de nossa terra. Um escritor criativo em sintonia com nossos tempos e que se preocupa em resgatar as narrativas dos nossos antepassados.
    Tem meu profundo respeito e admiração.

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